Artigo: OS MUITOS DESAFIOS DE LULA
Num clima de clássico em final de campeonato, o brasileiro contemporâneo da chamada “redemocratização” foi às urnas pela 9ª vez consecutiva eleger, em segundo turno, aquele que se tornou, desde ontem, o 39º Presidente da República.
Após um extenso período de uma dura campanha que pareceu durar os quatro anos do candidato que tentava a reeleição, mais de 60,3 milhões de concidadãos optaram por guinar à centro-esquerda e trazer de volta ao comando do País o ex-torneiro mecânico e fundador do Partido dos Trabalhadores, Luiz Inácio Lula da Silva. Aos 77 anos de idade, Lula será a pessoa mais velha a subir a rampa do Palácio do Planalto e traz consigo o ineditismo de ser o único a ser eleito, pelo voto direto de seu povo, três vezes Presidente da República.
Com um discurso atrelado à lembrança afetiva dos eleitores durante o período em que administrou o Brasil e entoando o lema de “picanha e cerveja”, o presidente eleito chegou à sua terceira vitória – que é a quinta do PT, partido com o maior número de vitórias do nosso período democrático – levado pela construção paulatina de uma frente ampla informal a favor da democracia, balizada em apoios de figuras pertencentes ao establishment político – muitas delas, inclusive, antigos rivais do presidente eleito – influenciadores digitais, artistas, intelectuais, sindicalistas e representantes do setor produtivo.
Outro elemento que expressa o ineditismo da eleição brasileira deste ano reside no fato de que, pela primeira vez desde que o instrumento da reeleição passou a existir no País, o incumbente não logrou êxito em sua tentativa de recondução ao cargo mais alto da República, e terá de deixar o poder após cumprir somente um mandato. Essa, aliás, é a segunda vez que o candidato da situação sai derrotado – o primeiro episódio foi protagonizado por José Serra, que perdeu em 2002 no confronto contra Lula. Algo que demonstra que, em eleições presidenciais, pelo menos, o Brasil não tem o hábito de optar pela mudança em desfavor da continuidade. Das outras duas vezes em que houve descontinuidade de governos, elas ocorreram por processos de impeachment – Fernando Collor em 1992 e Dilma Rousseff em 2016.
Apesar de encerrado o pleito e da confirmação da vitória de Lula nas urnas, o sentimento divisionista remanesce no dia seguinte à eleição em determinadores setores da sociedade. Tal como ocorrera ao Trumpismo nos Estados Unidos após a derrota do ex-presidente bilionário que batizou o movimento, por aqui o Bolsonarismo derrotado no domingo seguirá a ressoar pelo País a partir dos seus representantes eleitos nos estados e nas cadeiras que estes ocuparão dentro do Congresso Nacional. Apesar de toda a incivilidade presente, fato é que o Bolsonarismo entra, agora, num processo político natural de reconstrução, comum em democracias, com o olhar voltado para as próximas eleições.
Do lado vencedor, ante à chamada “polarização” que se instaurou no Brasil já faz algum tempo – e em muito inflada pelo ainda Presidente da República – o novo chefe do Poder Executivo responde com acenos, mas terá de fazê-lo, futuramente, em atos concretos. Em seu discurso da vitória, Lula afirma a inexistência de “dois Brasis”, mas a realidade é muito diferente, e as diferenças muito mais profundas.
Político experiente e amplamente conhecido no sistema internacional, Lula já começa o processo de construção de pontes na política doméstica e nas relações com os outros países do mundo. Ele terá que disputar o protagonismo na implementação da agenda eleita neste domingo com o Congresso Nacional, casa que nos últimos anos conseguiu trazer para si ferramentas que ampliaram o seu poder frente ao Executivo, como o controle orçamentário a partir das chamadas “emendas de relator”. Alinhado ideologicamente com a centro-esquerda, o Presidente da República que tomará posse em 1º de janeiro do ano que vem encontrará pela frente um Legislativo muito conservador, afeto ao liberalismo econômico e, por conseguinte, colérico pela instituição das chamadas “reformas estruturantes” – administrativa, tributária, sindical etc.
Enquanto o povo espera, ansioso, pelas exitosas políticas sociais que deram a Lula e ao PT a chance de governar mais uma vez o Brasil, urge pela boca dos especialistas em economia do governo eleito a necessidade de se adotar uma política de austeridade fiscal severa, capaz de responder a contento ao recente descontrole das contas públicas, catapultado por Jair Bolsonaro e suas benesses concedidas durante o período eleitoral. Findo o controle artificial da inflação a partir das sequentes intervenções do governo na sua frustrada tentativa de vitória eleitoral, todos nós brasileiros teremos pela frente uma disparada no custo de vida, com altas consistentes no valor dispensado no litro da gasolina, no botijão do gás de cozinha, na conta de energia elétrica e nos produtos expostos nas gôndolas dos supermercados.
Nas relações exteriores, o mundo também espera de Lula uma postura capaz de reaver ao Brasil o status de nação-protagonista da América Latina, sobretudo na pauta ambiental. Entre ontem e hoje, mais de uma dezena de líderes estrangeiros congratularam o novo presidente pela vitória, e ele terá uma delegação informal na Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas de 2022, a COP 27, que acontece no Egito a partir do próximo domingo (6).
Juntos, esses elementos são mais que suficientes para atestar que o Governo Lula 3 será muito complexo, numa realidade nacional e internacional completamente diferente daquela que ele mesmo experimentou há vinte anos atrás. Como resposta às muitas demandas que estão sobre a mesa neste momento, o staff do eleito acredita, com razão na minha opinião, que a vivência e bom traquejo político do líder petista serão suficientes para equacionar as eventuais crises que virão, a fim de estancar a erosão institucional do País e a deterioração da nossa democracia.
Tiago Lima Carvalho
Bacharel em Relações Internacionais
Especialista em Direito Internacional